terça-feira, 9 de novembro de 2010

José Carlos Barreto



Imagem: Internet



MEMORIAL DE FORMAÇÃO



Inicio este relato, refletindo de forma bastante saudosista as pessoas que fizeram parte da minha trajetória educativa, algumas que ainda permanecem e, outras que se foram, mas que deixaram lembranças vivas propiciando-me montar este cenário; principalmente o meu saudoso Thompson Elpídio Barreto dos Santos, meu pai, militar reformado, mas que tinha uma visão realista de mundo. Por outro lado, minha mãe, Ila Martins dos Santos, católica convicta, bastante crítica com as alusões advindas fora de seu mundo. Penso, então, que a partir daí, posso montar alguns atos decorrentes da minha natureza de vida.

Começo relembrando de alguns fatos interessantes; a figura da freira e educadora Olívia no curso Primário da Escola Perpétuo Socorro na cidade de Campo Grande, antigo Estado de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, no ano de 1964. Quando eu e meus colegas de turma nos preparávamos para o exame obrigatório de admissão para ingressarmos no ginásio. Recebemos a informação de que também faríamos um teste vocacional sobre uma possível trajetória profissional, mas que persuasivamente era uma das formas induzidas pela direção clerical do colégio, para que muitos de nós reforçássemos o quadro hegemônico da Igreja católica, como seminarista, no primeiro momento e, consequentemente o sacerdócio como carreira vocacional. Pois bem, para minha surpresa final fui colocado com o perfil “docente”, motivo esse, que gerou muita arruaça por parte de meus colegas, porque ser “docente” naquele momento não era nem ser “militar” e, muito menos ser “padre”, traduzindo, não seria nada.

O tempo foi passando e eu caçula de três irmãos, fui migrando com minha família para outras regiões, onde papai prestava seus serviços como militar. Chegamos finalmente à cidade de Ilha Solteira no interior de São Paulo, que era o marco da expansão infra-estrutural do regime militar de 1964, etapa do progresso brasileiro, caráter dado pelos militares rumo ao projetos desenvolvimentista, o “milagre brasileiro” da década de 1970, com a construção do complexo das usinas hidroelétricas no rio Paraná.

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Filho de classe média, trabalhando como “Ajudante de Escritório”, coube a mim, buscar alternativas para continuar a labutar por um futuro melhor. De forma estrutural, fui induzido, pela propaganda ideológica desenvolvimentista do governo militar, a seguir o promissor perfil profissional dado pela Lei Nº. 5692/71, na condução de meus estudos. Assim, conclui a Escola Técnica na área de Elétrica, com a função de Eletrotécnico, vindo posteriormente ser aproveitado no quadro dos trabalhadores da barragem, conhecidos vulgarmente na época como os “Barrageiros”.

Nesse momento, aconselhado pelo meu falecido irmão Eduardo Barreto dos Santos fui traçar um novo plano de vida. Rumo à metrópole, primeiro a cidade de São Paulo, onde comecei trabalhando de “Auxiliar de Calibração de Relés” em uma grande empresa monopolista de eletricidade (Light S/A), nos serviços de alta-tensão. Passado o período paulista, migrei para a cidade do Rio de janeiro, ingressando como Técnico de Engenharia Elétrica, também, numa grande empresa norte-americana de base de infra-estrutura (General Electric S/A – GE), na construção do sistema elétrico do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.

O Rio de Janeiro foi o começo do meu olhar mais crítico para as questões das políticas sociais. Trabalhando sem horários pré-definidos, cumprindo metas rigorosas de planejamento, fui percebendo que as leituras* promovidas pelo meu saudoso irmão Eduardo nas surdinas noturnas, às escondidas do Velho Thompson, lá na Ilha Solteira, surtiam efeito no campo prático. Como a exploração do homem pelo homem, dava sentido à “mais-valia”, a “divisão do trabalho”, a “ideologia” da subordinação à burocracia racional, da qual nós sujeitos ficamos reféns ao tempo da máquina, tudo isso junto, colaborou para que eu assumisse algumas posições contrárias aos interesses políticos da organização trabalhista.

Filiei-me ao Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, com intuito de ser mais um nas fileiras da luta em favor das melhorias trabalhistas, forjadas pelas contradições pelo capital e  
trabalho. Foi um período de muitas retaliações, mas muito proveitoso para entender um pouco a sociedade capitalista do meu tempo, final da década de 1970.

A partir de então, percebi que poderia contribuir, frente às minhas utopias, e labutar em outras áreas no campo político. Aflorou em mim um sentimento voltado para o campo “docente”, até porque dada a minha natureza social, convivia com pessoas nas diversas áreas do conhecimento, como historiadores, pedagogos, arquitetos, enfim, com pessoas que precocemente despertavam em mim o interesse de ler outros assuntos ligados ao momento político e econômico que o país naquele momento atravessava.

Com tal inclinação política e trabalhando como técnico em uma empresa totalmente norte-americana, não poderia de maneira nenhuma manifestar meu interesse pela docência na área de História. Até por que... O que faz um pretendente a professor História no meio dos “Técnicos de Engenharia de Campo”. Com certeza, a “Rua” seria o meu destino, caso não encontrasse resposta para meu suposto itinerário profissional. Para minha surpresa, antes de qualquer retaliação, veio à luz, então, do meu chefe, um administrador nordestino, Paulino Paiva Neto, pessoa de extrema disciplina organizacional, a orientação da qual precisava para minha vida. Sugeriu que eu não me afastasse jamais dos meus sonhos, mas que eu prestasse o vestibular para Ciências Econômicas, por ser uma área conhecimento humano e técnico, me conduziria possivelmente a outros setores da empresa GE. Conciliando também com o estudo de História. Cabe recordar também, que as primeiras leituras recomendadas pelo Sr. Paulino, as obras de “Platão”, consideradas por ele, como obrigatórias para os iniciantes aos estudos acadêmicos

Fiquei satisfeito, primeiro por não correr o risco de abstrair a prematura iniciativa a “docência”: segundo, por não perder o meu trabalho produtivo. Comecei meu curso de Ciências Econômicas (Bacharel), em uma faculdade privada, porque, não podia pensar num espaço público, por motivo de tempo em função da minha atividade técnica profissional. A empresa de forma permissiva contribuiu para o meu empenho acadêmico. Iniciei o curso apaixonado pela História Econômica, pela política e, principalmente, pela oportunidade de poder ler os clássicos que marcaram as revoluções burguesas do século XVIII, como a Industrial (Inglesa), e a Política (Francesa) na consolidação da sociedade capitalista.

Tal trajetória foi recheada de dissabores por ter de enfrentar as disciplinas curriculares no formato seriado, conhecido como créditos. Senti na pele o que é o ensino fragmentado, descompromissado dos conhecimentos básicos sobre os conteúdos, ou seja, empobrecido em relação aos fundamentos necessários para a construção de sujeitos críticos. Usurpando assim, da ilusão dos trabalhadores, em poder apenas, obter o grau de nível superior, engrossando o seu caráter mercadológico do ensino improdutivo.

Não desanimei, procurei suprir as deficiências com minhas próprias experiências, lendo, questionando e procurando sempre alimentar minhas incertezas, através de pesquisas bibliográficas, ou transitando nos meios acadêmicos de outras universidades, ouvindo os intelectuais ligados às áreas políticas e econômicas. Cabe lembrar que, nesse momento, eu presenciava o período recessivo da conhecida “década perdida” dos anos de 1980. A falta de liquidez financeira, inflação, moratória, desemprego, etc., o povo nas ruas clamando por “diretas já”, tudo isso culminava com a volta dos exilados políticos, expulsos no período repressivo da ditadura de 31 de março de 1964.

Era muito rico intelectualmente o momento, porque as contradições estavam manifestas nas ruas, nos Jornais, nos Sindicatos, nos Partidos Políticos, nas Igrejas, nas Universidades, etc.; era a insurreição da sociedade civil organizada na contra-hegemonia política, ao exigir democracia, liberdade, justiça social, enfim, falar das mudanças políticas necessárias ao país. Em curso, anunciava-se um novo modelo político-econômico – “Estado Mínimo” – principalmente os seus mandatários teóricos e políticos, a Inglaterra e os Estados Unidos da América; as transformações tecnológicas em curso na base material mudavam as economias no mundo do capital internacional, prenunciando as políticas neoliberais para os países ditos “periféricos”. 

Nesse movimento, participei como filiado sindical e também como filiado do re-fundado e reorganizado Partido Democrático Trabalhista – PDT. Este partido tinha sido criado pelos dissidentes do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, cujo expoente maior era o Sr. Leonel de Moura Brizola, político polêmico, de fala mansa, mais muito crítico em relação aos assuntos ligados à política e à economia brasileira, cuja pretensão naquele momento passava pela volta das eleições diretas para os governos estaduais. O Sr. Brizola era meu candidato preferido ao governo do Estado do Rio de Janeiro, o que significava para mim a ruptura das velhas oligárquicas que ainda eram fortes politicamente no Rio de Janeiro, principalmente os arenistas, os filiados ao Partido da aliança Renovadora Nacional - ARENA, base de apoio político partidário dos governos militares.

Pois bem, consegui terminar meu curso superior, mas sem nenhuma perspectiva de sucesso profissional. Resolvi então, partir para o “velho mundo”, conhecer a Europa e trabalhar, visitar os museus e bibliotecas “in loco”, o que tinha conhecido nos livros poderia tornar-se uma realidade, uma vez que falar outra “língua”, já era uma exigência no mercado de trabalho globalizado.

Preparei minha mala e rumei para Campo Grande onde, depois de muitas mudanças, prá lá e prá cá, meus pais decidiram fixar moradia. Aqui chegando, deparei-me com meu velho Pai doente, sofrendo de um processo degenerativo, proveniente do “Mal de Parkinson”. Mudei de idéia e resolvi permanecer ao seu lado; com seu apoio fixei moradia e fui buscar trabalho nas terras do oeste brasileiro. Surgiu, então, meu primeiro trabalho docente.

Fui convidado para ser professor na área de Economia Monetária, na antiga Faculdade Dom Bosco, hoje Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Nesse momento aparece minha primeira decepção, não sabia dar aula. Não suportei a minha própria crítica, não tinha condição e nem preparo para minhas ações pedagógicas, ou seja, não conhecia método, metodologia, planejamento, currículo, avaliação e, muito menos, didática. Foi um período doloroso, mas importante, para quem pretensamente queria ser um “bom educador”.  Sentia na pele o total despreparo com a teoria e a prática educativa.

Não me dei por vencido, superei algumas lacunas, principalmente as mortes do meu Pai e do meu irmão. Decidi, então, que deveria ampliar mais o meu conhecimento científico. Parti para minha segunda etapa, o Mestrado, o que significava para mim, naquele momento, a minha principal meta e o meu maior desafio.

Parti novamente para o Estado de São Paulo, dessa vez para a cidade de São Carlos, centro de referência – Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, citado por vários conhecidos egressos do seu campus. Fui derrotado nas primeiras tentativas de seleção no Mestrado em Educação. Procurei uma segunda opção, a Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, onde conclui meu Mestrado em 1995, na área de Administração Educacional, com ênfase nos eixos temáticos: Estado, Políticas Públicas e Sociedade.

Voltei para Campo Grande, em 1995, depois de uma breve incursão pela Europa. Realizei um sonho educativo, viajar por alguns países europeus, conhecer suas culturas, seus valores e suas crenças, como também visitar museus, igrejas, parques, bibliotecas e até mesmo cemitérios, para contemplar a sepultura do velho e saudoso Karl Marx.

No meu retorno, recebi o convite para ministrar algumas aulas, como Professor substituto na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Foi o começo da realização de outro sonho, trabalhar numa Universidade Pública. Já com uma bagagem um pouco melhor, fui ministrando aulas nas disciplinas pouco desejadas pelos professores efetivos, tais como a Metodologia Científica. Mas para mim, passou a ser um grande aprendizado, tanto do ponto de vista dos conteúdos, como também, desenvolver melhor o exercício da minha prática pedagógica, como o método melhor fundamentado, e aperfeiçoar novas metodologias trabalho.

Depois de 02 anos como professor contratado na UFMS. Ingressei na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, recém criada na década 1990, abria convocações para seus quadros docentes. Ali estava meu momento de triunfo, passar nesse concurso público e realizar mais um sonho. Tornar-me efetivo e concretizar de fato minha carreira docente, com mais um papel social, ser professor efetivo.

Assumi a docência com minhas utopias afloradas, participando de debates e palestras, fui construindo minha visão de mundo, lapidando meu olhar crítico sobre a sociedade capitalista, a partir de um novo contexto social mais humano, a Universidade Pública. Dei conta do quanto é difícil ser docente diante da pluralidade de pensamento no mundo acadêmico, das contradições que envolvem a estrutura administrativa, que compõem as suas funções pedagógicas com relação ao ensino, pesquisa e extensão.

Como docente da área de humanas foi despertando em mim, a necessidade de estudar com mais afinco a História da Educação Brasileira, mas especificamente o curso de Pedagogia, a sua organização e função. Principalmente, seu descaso junto às instituições que a compõe, pela arrogância com que alguns intelectuais e políticos tratam os problemas educacionais ligados á esfera do Estado e da sociedade. Nelas, o curso inside a total responsabilidade pelas mazelas em detrimento da sua formação docente, pela sua indefinição como ciência, sem identidade para uns, levando até, sua morte anunciada para outros.

Nasceu ali iniciativa de cursar o Doutorado em Educação, levando comigo o desafio de poder analisar a história do Curso de Pedagogia, sua gênese marcada pela política econômica exógena (capital monopolista) e endógena (nacionalismo populista), início da industrialização tardia da década de 1930, correspondendo à segunda fase do capital imperialista, entre o trabalho produtivo e improdutivo.

Assim, desenvolvi este trabalho, imbuído da vontade de poder contribuir com uma leitura crítica da sociedade capitalista brasileira, em torno dos seus pressupostos políticos de organização educacional, dada a sua real e necessária função educacional para sua época, mas que deixaram como legado a falta de uma verdadeira base material nacional, em consonância com a necessidade do capital para a formação profissional, em especifico a docência. Legados históricos que marcam os sujeitos sociais, sua cultura, valores e crenças, oriundos de um processo de produção material, que foram sendo subtraídos pelas próprias contradições de sua história; levando então, a falta de uma verdadeira identidade coletiva a sua formação profissional.  

Portanto, penso que pude contribuir, não com uma “obra prima”, mas com um “olhar” de quem tem vontade de crescer intelectualmente, que procura dar sentido ao movimento da vida, da educação, dos valores culturais e sociais que foram solapados pela contemporaneidade. Que se faz necessário nos nossos dias resgatarmos pelo menos, sua história e sua natureza social, para que possamos entender o ser humano no mundo do trabalho docente.   

* Obra de Karl Marx & Friedrich Engels – Ideologia alemã – Ou “Jornais” de vanguarda da década de 1970, como por exemplo, o “Pasquim”.



3 comentários:

  1. Parabéns profê!!!
    Será nosso eterno PROFESSOR!!!
    Saudadessssssssssss

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  2. Ei, Giu!

    Adorei tua passadinha por lá e adorei ainda mais tua casinha aqui ...sou professora também, sabia?


    beijos de luz!


    *

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  3. Olá professor!Gostaria de parabenizá-lo pelo blog,sua trajetória de vida,profissão galgando até o sucesso.Parabéns!Ficou esplêndido!Abraços!

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