sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Celi Traude Kellermann





Imagem Internet


MEMORIAL DE FORMAÇÃO



Finalmente a professora Maria me fez sentar ao lado da Ieda! Ela era minha melhor amiga, além de ser filha do primo do meu pai. Na sala de aula, eu nunca conseguia sentar ao lado dela, pois este posto era disputado pela filha da professora e pelas irmãs Áurea e Neusa, as meninas de maior poder aquisitivo da região.

Deveria ser um dia de outono ou primavera, pois chovia sem fazer muito frio. Nós levávamos nossas sombrinhas e como a professora havia se ausentado da sala por alguns instantes, tive a infeliz ideia de brincarmos com elas, uma vez que vi a Ieda puxando a sombrinha com o cabo apoiado nos dentes inferiores. Quis ser simpática e me prontifiquei a puxar a sombrinha por ela. Não deu outra! Em poucos instantes estava a menina chorando com a boca ensangüentada, o cabo escorregou e a machucou. Foi a maior confusão! Alunos que foram chamar a professora, outros curiosos em volta, e a filha da professora me acusando de que havia enterrado o dentinho que estava nascendo. Eu não sabia onde me enfiar, o povo nem me deixava pedir desculpas para a menina que afirmava para a professora que fora um acidente, que não fora proposital. Afinal de contas, esse tipo de coisa só podia vir da Celi. Não sei porque, mas esse tipo de acidentes sempre acabavam acontecendo comigo.

A filha da professora aproveitou para me afastar completamente da minha amiga prima, pois sua mãe me havia sentado em seu lugar justamente porque ela conversava muito. Assim, acabei voltando para o meu lugar ao lado do Jaime, na primeira fila, bem em frente ao quadro negro.

A Escola Rural 19 de Abril era antiga, a mesma em que meu pai estudara nos anos 1942, 43 e 44. Era toda de madeira, com muitas janelas. Tinha 3 salas, uma secretaria e uma pequena cozinha, de onde saiam sopas e bolinhos deliciosos. No assoalho de madeira haviam pequenas frestas, por onde escapuliam algumas borrachas mais descuidadas. A pipa d’água ficava na secretaria. O Pátio de terra era enorme, todo cercado por arame farpado e cerca viva, formava um triangulo com um portão grande na frente. Nos fundos havia uma passagem pequena pela cerca viva, ao lado do bananal. Em baixo da sala do primeiro ano havia espaço e altura suficiente para brincarmos de casinha quando levávamos nossas bonecas, ou em dias chuvosos. Atrás da escola, ficava o poço e bem ao fundo ficavam os dois banheiros.


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Na minha educação, a pessoa mais importante sempre foi minha mãe, principalmente para a minha alfabetização. Até o quinto ano, foi grande companheira, tanto nas tarefas como na superação das dificuldades escolares. Sempre enfatizou muito a importância de estudar e outros valores que permearam toda minha vida. Tive nela um modelo de luta e superação, de não esperar acontecer ou acomodar-se, de buscar sempre o melhor. Enquanto que alguns primos de minha mãe defendiam a idéia de que somente os meninos teriam direito a uma educação acadêmica, minha mãe foi uma defensora ferrenha de que os estudos eram importante para todos. Ela desistiu da Escola após o seu primeiro ano e se arrependeu muito por isso, já que ninguém a incentivou a continuar. Apesar disso lia em português e em alemão, mas ao escrever trocava as letras.

Por sua iniciativa, entrei no primeiro ano mais cedo, aos seis anos, em 1970. Repeti o ano, pois não aprendi a ler. Em 1971, minha mãe dedicou-se à minha alfabetização e, assim, consegui passar de ano.

A sala de aula era divida em adiantados e atrasados. Me lembro disso porque certa vez, outra professora veio substituir a aula da nossa professora Maria, e como eu era muito lenta ela embraveceu comigo, sentando-me na fila dos atrasados. Fiquei feliz, quando no outro dia, a minha professora ficou indignada por eu estar na fila errada e me recolocou no meu lugar.

Acima do quadro negro, grudadas na parede, ficavam expostas as folhas com as letras do alfabeto e seu respectivo desenho. Essas folha deviam vir junto com a cartilha, pois eram impressas. Lembro das vogais e seus desenhos: a de abelha; e de escova; i de igreja, o de óculos e, u de uva. Fomos alfabetizados pelo método sintético, com a utilização dos recursos de: soletração, onde aprendíamos primeiro o nome das letras; depois o fônico, associando fonemas e grafemas; e por último a silabação, em que juntávamos as vogais às consoantes: b + a = ba, e assim por diante. Se parte do menos complexo, que são a unidade das letras e se parte para o todo, que são as frases e textos.

Ao lembrar desse tempo, tenho muitos sentimentos desencontrados, que despertam medo, angustia, vergonha, rejeição e humilhação, ao mesmo tempo que era um lugar de aconchego e enriquecimento pessoal. As lembranças confundem nossas emoções e sensações, coisas que queremos lembrar e outras que queremos esquecer, a reavaliação desses sentimentos me levam a entender os fatos acontecidos, e agora consigo perceber também, o carinho e a dedicação das professoras. Descobri que muitos desses fatos foram originados da minha hiperatividade, o que deve ter me levado ao sentimento de “patinho feio”, e hoje percebo a importância da afetividade e da valorização com os alunos, reparando as más experiências que tive e repassando as boas. Tal como diz Placco (2003) que ao compartilhar nossas memórias temos a possibilidade de dar novas significações nas nossas atitudes e práticas pedagógicas.

Jaime era meu fiel companheiro de tortura. Compartilhávamos a mesma carteira, que era unida ao banco e com espaço para dois alunos. Éramos os mais lentos da sala, os de cabelo mais branco, por isso apelidados de vovôs da sala. A professora nos chamava muito atenção por sermos sempre os últimos em terminar a cópia do quadro. Assim, como éramos companheiros para distrairmos mutuamente com brincadeiras, também brigávamos bastante por coisas tolas. Lembro que ele sempre acabava apanhando, aliás eu não era de levar desaforo para casa.

Certa vez, a professora do meu irmão que estava no quinto ano, na ausência da nossa professora, vinha passar a matéria no quadro, ao mesmo tempo em dava aula em sua turma. Meia hora antes do término da aula, voltou a nossa sala para verificar nosso andamento. Estavam quase todos prontos, menos eu e o Jaime, é claro. Ela quis chamar minha atenção para que eu me apressasse, pois faltavam apenas meia hora para terminar a aula e eu ainda não estava pronta. E eu entendi que já estava na hora de ir embora, e como não estava pronta ainda, de castigo, deveria ir bater a sineta. Levantei-me, fui até a secretaria e bati a sineta, dispensando as outras turmas mais cedo. Quando voltei à sala, quase morri de vergonha ao perceber o enorme qüiproquó que havia cometido.

A vergonha provocava tamanha angustia que me tornei gaga. Lembro e sinto como se fosse hoje, da enorme dificuldade de falar em voz alta em sala de aula. Para pedir para tomar água ou ir ao banheiro, levava muito tempo elaborando a pergunta mentalmente e depois outro tanto até conseguir expressar o meu desejo: “ooooo ppppproprofessora pppposso ir ao bababanheiro?”

Sem contar quando me apelidaram de “Tripa”. Minha mãe, aproveitando o restos de lã, fez-me um suéter listrado com as cores vermelha, preta e não lembro da outra. Como a blusa era justa, o apelidou calhou. Obviamente não pus este suéter nunca mais. Mas o “nome” ficou me incomodando por um bom tempo.

Segundo meu pai, a maior dificuldade da Escola era a falta de professores, geralmente supridas por estagiárias. No segundo ano, recebemos uma professora de matemática da cidade de Rolante, a mais próxima da escola. A professora Maria Pandolfo vestiu a camisa da Escola e no ano seguinte foi nomeada diretora. Ela era enérgica, porém muito justa. Graças a ela nunca tive dificuldades em matemática, apesar das torturas quando fazia aquele circulo no quadro, com o multiplicando no centro e os multiplicados em volta, apontava a sua régua de madeira de um metro para os números de zero a nove aleatoriamente. Também graças a ela, ou ao meu coleguinha, nunca mais fui capaz de colar. Durante uma prova muito importante, de uma quatro folhas mimeografadas, na última folha, a primeira questão era equações de multiplicação. Como eu estava confusa em distinguir o tipo de operação, aproveitei em puxar o caderno de baixo da mesa e dar uma espiadela. Favorecida por estar sentada no fundo da sala, o fato teria sido um sucesso, senão tivesse aquele pentelho dedo duro que gritou: “professora! A Celi está colando!”. A professora foi muito razoável, perguntou-se qual questão eu havia colado e só anulou aquela. E assim foi curada definitivamente de qualquer possibilidade de cola!

No terceiro e quarto ano a professora Carmem foi minha educadora. Professora muito querida e elogiada pelos pais dos alunos. No entanto, eu tive alguns contratempos com ela. No quarto ano ela cismou com a minha caligrafia. Exigiu que eu melhorasse a letra. Eu fazia de tudo para melhorar a letra: ora escrevia pequeno, ora grande, e nada estava bom para ela. Porém minha mãe, me incentivava dizendo: “você não precisa escrever tão pequeno”, ou “você pode escrever um pouco menor...”, “estás melhorando, mas deves continuar tentando”. A professora Carmem nunca me ensinou caligrafia, nem deu alguma dica de como deveria melhorar a letra, só dizia que não estava bom. Um dia ela enfezou com o meu modo de escrever que arrancou a folha do caderno e colou no quadro negro, para que todos os demais colegas pudessem prestigiar o horror da minha caligrafia. E como se isso não bastasse, me deixou sem recreio. É claro que meus nobres colegas não perderam a oportunidade de examinar a “obra de arte” exposta no quadro e fazer comentários maldosos sobre o mesmo. Nesse dia, baixei a cabeça entre os braços e chorei. Além da humilhação, não pude jogar “espiribol”, meu divertimento favorito no recreio.

Nunca tive uma letra exemplar. Melhorou muito durante o meu estágio no magistério, por exigência do supervisor, pratiquei muito. Porém no segundo grau, tive aula de caligrafia, aprendi como deveria desenhar as letras. Toda pessoa de caligrafia pouco legível, me sinto tentada a repassar os ensinamentos que aprendi de como melhorá-las.

O “espiribol” foi trazido à escola por uma professora estagiária. Foi enterrado um poste no meio do pátio frontal, com uma bola presa por um cordão que estava amarrado na ponta superior da madeira. No chão demarcávamos 6, 8 ou 10 espaços, com times de 3,4 ou 5 jogadores. Esperávamos ansiosos pelo sinal anunciando o recreio para disparar ao poste assegurando um lugar para jogar.

As bolinhas de gude também disputavam espaço no pátio dos fundos. Também joguei uma fase, no meio dos meninos e ganhei muitas bolinhas. Havia o jogo do imbu e o do triangulo. Na do triangulo se ganhava ou perdia mais bolinhas de uma só vez.

Outro lapso ocorrido pela professora Carmem foi no dia das mães do quarto ano. Chamou todos os alunos para recitarem suas poesias ou canções e esqueceu de mim. Eu fui ficando cada vez mais triste que me pus a chorar, ao ver minha mãe ali sentada sem escutar minha poesia. Ao a professora perceber minha tristeza e as mães a lembrarem que havia passado minha vez, pude recitar minha poesia e receber um enorme sorriso de minha mãe.

Quanto aos meus primeiros anos de Escola, foram no auge do regime militar, fortemente influenciados por esse. A meritocracia fazia parte do reconhecimento por mérito pessoal dos alunos de melhor rendimento escolar, ou seja, nas habilidades, inteligência e esforço pessoal. Todos os anos, no final do ano, eram condecorados os melhores alunos da sala. Como geralmente eu ficava em quarto lugar, não havia homenagens para mim. No entanto, no quarto ano, eu tive as melhores notas da sala, apesar da letra feia. Casualmente, neste ano, nenhum aluno foi homenageado.

Quanto aos exames finais, lembro-me deles com certo gozo, pois não as temia, e ademais a leitura era tomada do lado de fora do prédio, com duas professoras e duas mesinhas. Eu ficava ansiosa porque significava o fim das aulas e a chegada da festa natalina para mim, era uma verdadeira festa.

Agosto e setembro eram meses especiais, pois quase todos os dias ensaiávamos para o grande dia da “marcha”, onde o guarda-pó era impecável e o passo também deveria ser. O pé esquerdo era levantado mais alto e batia mais forte ao som do “bumbo”. Era uma verdadeira festa. Tanto que esta é a única foto escolar que tenho do fundamental. Todos do povoado iam nos assistir. Uma vez, na quinta série, pude levar uma faixa.

Minha amiga Ieda está entre as irmãs Neusa, da direita e Áurea, da esquerda, para que as duas irmãos não brigassem. Ao fundo está minha professora Carmem.

Como minha mãe ajudou muito na minha alfabetização, trocava a letras por causa da língua alemã: b e o p; c e o g; d e t. No quinto ano, conjuguei corretamente todo o verbo “costar” em vez de gostar. No verso da foto acima escrevi: “esté fotocrafia é do meu desfile dia 6 de sembro e ano 1973. Está cravura é do meu desfile”.

Em relação aos métodos de ensino, as professoras expunham figuras no quadro para que a descrevêssemos e depois elaborássemos uma história baseada nela. As descrições e as histórias eram compartilhadas com o resto da turma, assim todos ficamos mais observadores ao analisar uma figura.

Outra coisa que nunca esqueci, foram as casinhas desenhadas, no quadro negro, de unidade, dezena e centena, e a outra do milhar que era emendada nessa.

A professora do quinto ano era uma estagiaria de historia e geografia, assim que, no segundo semestre, faltava às quintas-feiras.

Como eu era muito tímida, dificilmente me metia em confusões em sala de aula, porém, numa dessas ausência da professora, um menino gordinho, o filho do Manuelão, causou confusão na sala de aula com as meninas e inclusive comigo. Como eu não era de levar desaforo para casa, peguei minha régua de 50cm e bati de lado em sua cabeça com força. Justamente quando ele ia revidar, a professora do primeiro ano entrou na sala e o reprimiu, pois “em menina não se bate!”. Me senti heroína naquele dia.

Não me lembro do nome da professora do quinto ano, mas sei que era jovem e bonita, e que trouxe muitas novidades para nós. Uma delas foi a manga, que na época, não gostei do sabor, talvez porque não estivesse no ponto certo de maturação. Manga era uma fruta desconhecida na região sul do país.

O livro didático do quinto ano, tinha todas suas histórias contada por uma arraia, que levava um menino e uma menina por todas as regiões do país, era muito bacana, ensinava muitas coisas da vida prática.

Para ir à Escola, caminhava uns três quilômetros. Eram meia hora até lá. A partir do quarto ano, quando meu irmão já estudava no internato na cidade de São Leopoldo, muitas vezes eu tinha que fazer o trajeto sozinha, e eu morria de medo ao passar pelo mato. Era um bom trecho mata nativa dos dois lados da estrada. Uma vez vimos uma vaca morta que despencou no rio. A morte me assustava muito. Também tinha aquela história dos cachorros loucos nos meses de agosto. Eu desviava de qualquer cachorro que encontrasse pelo caminho. E no quinto ano, havia o agravante dos tiradores de sangue.

No inverno brincávamos com o gelo que se formava sobre as poças de água em noite de geada. Jogávamos o gelo uns nos outros. Assim corríamos, e chegávamos aquecidos na escola.

Quando chovia muito e os rios subiam, as aulas eram suspensas, algumas vezes até tivemos dificuldades em voltar para casa.

Como a Escola só comportava até o quinto ano, muitos deixavam de estudar, ou os que possuíam melhores condições, seguiam os estudos na cidade de Rolante. Não havia ônibus, alguns iam a cavalo, bicicleta ou a pé. A dificuldade em dias de chuva era enorme. Por isso meus pais procuraram colégios internos para mim e para o meu irmão. Meu irmão foi para um colégio interno masculino, na cidade de São Leopoldo, no Instituo Pré-teológico. Era uma escola para atender, principalmente os filhos dos agricultores de confissão luterana descendentes alemães, que recebiam bolsas de estudo oriundos da Alemanha.. No meu caso, por ser menina, foi muito mais difícil encontrar um colégio interno. Fui estudar na Fundação Evangélica de Novo Hamburgo, um colégio misto que havia sido um internato feminino. No meu caso, fiquei na casa de uma irmã de minha avó paterna, que morava perto do colégio. Por ser muito caro, consegui estudar lá graças a bolsa de estudos fornecida pelo pastor Waltmann da IECLB, obreiro da comunidade de Rolante e Rolantinho, onde meus pais moravam.

Na cidade tive acesso a muitas novidades, entre elas a televisão. Só pude ficar um ano, porque no ano seguinte meus pais se mudaram para a cidade de Sapiranga, tentar a vida na cidade. Assim, perdi a bolsa de estudos e fui para uma escola estadual, muito longe de casa. Nos primeiros dias não conseguia achar o caminho de volta.

A Fundação Evangélica tinha o regime semi interno, hoje denominado sistema integral, do 6º ano ao segundo grau. A gente entrava às 7:30h e saía às 17 horas. Ás 9h e às 15h era servido o lanche e o recreio. Ao meio dia era o almoço.

Eu tinha muita vergonha na hora do almoço. Em cada mesa havia oito pessoas, com um chefe e subchefe que sentavam nas cabeceiras. Eram os alunos dos cursos mais adiantados. A comida era saborosa, tirando o risoto, que continha algum tipo de tempero que o tornava desagradável.

Na hora do recreio eu gostava de jogar caçador na quadra de vôlei. Depois do almoço passeava no jardim, que era conhecido como o “morrinho”. Lugar muito agradável em meio à natureza, com vários lugares propícios para estudar ou relaxar.

O pátio da escola é enorme, cheio de canchas de basquete, vôlei, futebol, e uma grande área propícia para o atletismo. As aulas de educação física eram revezadas em cada bimestre, assim que fiz: dança, vôlei, ginástica e basquete, respectivamente.

As aulas de artes e educação físicas eram separadas por sexo. A sala de artes era maravilhosa, muito bem equipada, inclusive com forno para secar os trabalhos em argila. Também aprendi a fazer tricô.

Nas aulas de inglês tive certa dificuldade no inicio, principalmente nas aulas de conversação, pois a grande maioria já vinha com uma base do 5º ano, os que estudaram no Pindorama, escola que estava vinculada à Fundação Evangélica. Também tivemos aula de alemão. A partir do 7º ano também faziam parte do currículo o francês e o latim.

Recebi muitos elogios do professor de matemática, Herr Zigler, já que me sobressaía nessa matéria. As notas caiam um pouco por eu não ser uma fiel cumpridora das tarefas de casa, que aliás, eram quase todas feitas no segundo período da tarde, com o professor padrinho da sala, disponível para tirar qualquer dúvida. Mas dificilmente alguém o solicitava. O material costumava ficar numa estante nos fundos da sala. A gente só levava para casa os cadernos ou livros quando tinha que estudar para prova ou fazer tarefa. Dificilmente eu fazia as tarefas em casa, pois não havia ninguém para me fiscalizar e a televisão era muito mais divertida.

Viajar para a casa dos meus pais, somente nos feriados prolongados, pois levava mais de seis horas viajando.

Se algumas notas baixaram um pouco no 6º ano, numa escola particular como a Fundação Evangélica, no 7º e 8º numa escola pública, muito mais. Não sei se foram as muitas mudanças de lugar e escolas distintas ou foi fruto da própria idade rebelde. Aliás, eu era muito rebelde! No entanto, pude constatar que as diferenças da qualidade de ensino de uma boa escola particular para uma boa escola pública eram enormes! Eu simplesmente não conseguia assimilar os conteúdos passados. As notas na escola pública era: Celi “I”, de insuficiente. As notas eram conceitos I, S, B, MB, O, igual ao da escola rural. Já na fundação Evangélica eram numéricas. Lembrando que terminei o primeiro grau, 7ª e 8ª série, na cidade de Sapiranga, cidade para onde meus pais foram de mudança. Aí, fui mal até em matemática!

Meu período de educação fundamental foi durante toda a década de 70, com o mercado rumo ao liberalismo econômico, sob a reforma de ensino Lei 5.692/71, que teve a influência da concepção pedagógica produtivista e tecnicista, unindo a organização racional do trabalho ao controle do comportamento, com o intuito de preparar o individuo para o mercado de trabalho por meio da prática e aquisição de experiência, ao mesmo tempo que se obtivesse o máximo de resultados a um custo mínimo. Nesta reforma, a escola técnica foi integrada ao ensino, profissionalizando o ensino secundário. Por isso, no meu ensino secundário, estudei Técnicas em Contabilidade no primeiro ano, e mudei para o Magistério no segundo e terceiro ano.

Ao mesmo tempo, para Saviani, (2008) o ideário do professor neste período, era escolanovista, onde os interesses do aluno deveriam ser levados em conta dentro de uma escola equipada com biblioteca de classe, laboratório, material didático rico e variado, porém que isso ocorreu somente em algumas raras escolas. Dessa forma, posso entender hoje o tipo de escola em que cursei a sétima e oitava série.

A Escola Polivalente, depois renomada de Escola Estadual Oscar Schöenardie, tem uma construção ampla, com uma arquitetura diferente, provavelmente foi desenhada para ser uma escola modelo. Haviam em torno de 20 alunos por sala. Alguns dias tínhamos aula de manhã e a tarde, assim que eu ficava direto no colégio. A Escola possuía quatro salas especiais de: técnicas domésticas, agrícolas, industriais e comerciais. Salas essas organizadas sob o modelo empresarial, orientado para o trabalho, onde o elemento pedagógico predominante não era mais o professor ou o aluno, e sim a organização racional dos meios.

Essas salas amplas. As técnicas comerciais era a que eu menos gostava, pois vinha com manual didático cheio de formulários para preencher, como: duplicatas, cheque, etc. A de técnicas agrícolas era a menor de todas e estava equipada com todas as ferramentas necessárias para trabalhar na horta da escola, eu só gostava quando tinha aula prática. Já a sala de técnicas industriais era a maior de todas e a minha favorita. Lá produzimos xilogravura, quebra-cabeças, etc. Estava equipada com serra-fita, lixadeira elétrica e todas a ferramentas de carpintaria, entre outras que não me recordo mais. Outra sala ampla era a de técnicas domésticas. Estava dividida em quatro setores, que passávamos um por bimestre: cozinha, pintura, costura e enfermagem. A sala era dividida em quatro grupos, e cada bimestre passávamos por um setor. Quando passamos pela cozinha, os meninos fizeram o prato salgado e nós meninas, a sobremesa. Lá eu aprendi a fazer pudim de leite condensado. Também pintamos copos e todos aprendemos a coser botões. Em enfermagem tivemos palestras com médicos sobre sexo e drogas.

Estes anos de minha vida foram muito conturbados e rebeldes. Na minha sala havia um menino muito bonito e inteligente, imagine se ele olharia para uma burralda como eu? Mas mesmo assim tirei uma foto com a maioria da 8ª série p/ guardar sua recordação.

No final do 7º não fiz os exame, fui direto para as provas de recuperação, pois fiquei o último mês de atestado médico por estar com hepatite. Por esse fato, devem ter facilitado a minha aprovação. No entanto, no 8º ano reprovei em história faltando um ponto, e meio em ciências. Soube, depois que os professores se indispuseram por minha causa na reunião do conselho. Como era a primeira turma que se formava completando os oito anos na escola, facilitaram a aprovação para todos, menos a minha. E isso foi motivo de discórdia entre os professores. A professora Lilian, a de historia, alegou que eu não tinha como passar, pois não havia atingido a média em sua disciplina.

Pela pouca oportunidade que tiveram, meus pais criaram uma enorme expectativa referente a nossa educação, esperavam que os três filhos tivessem um canudo superior. Por isso uma reprovação estava fora de cogitação! Quando reprovei na 8ª série, a noticia caiu como uma bomba sobre minha família: pois minha mãe andou de luto por algum tempo, dizendo que eu havia morrido para ela. Para ela, eu abalei o seu maior investimento, o único bem que era possível me proporcionar e que ninguém poderia tirar de mim: a educação. Pensamento ideológico que permeou o século XX colocando a educação como um investimento no capital humano. Segundo Schultz, a instrução é um investimento porque eleva a renda futura do estudante, trazendo benefícios sobre o bem-estar e é um bem durável. “É um investimento no capital humano, sob a forma de habilidades adquiridas na escola.” (SCHUTZ, 1973, p.25).

Para aliviar um pouco a tensão, resolvi trabalhar num comercio de secos e molhados, daqueles que vendiam de tudo por quilo e por metro, antes dos supermercados. Trabalhei uns cinco ou seis meses e depois a passei a trabalhar na loja de meu pai. Repeti o 8º a noite, pois morria de vergonha estudar com os mais novos. Foi muito bom, pois eram quase todos adultos e maduros.

A professora Lilian dava aula de historia sem mapa, e eu confundia todos os povos: gregos, romanos, fenícios, egípcios, etc. Eu não possuía noção de espaço e tempo. O método dela era elaborar de 50 a 100 questões antes da prova para que pudéssemos estudar. Suas perguntas eram do tipo: “quais as causas da guerra X; quais a conseqüências, características, etc”, de cada guerra e povo ela repetia as mesmas questões. Era uma decoreba só! Como eu não tinha facilidade em memorizar, ia mal nas suas provas. Em meados do ano (em que repeti), ela tirou licença médica por estar grávida e com rubéola. A professora substituta mandava fazer muitos trabalhos de pesquisa. Inclusive foi nesta época que aprendi fazer trabalhos de pesquisa na biblioteca, tanto da escola como do SESI. Minhas notas melhoram, mas em novembro a professora Lilian voltou e a professora substituta foi afastada. Minha sala, por ser solidária comigo, tentou fazer greve, mas não funcionou. Tive muita vontade de desistir, mas a minha vontade de estudar e ser alguém na vida foi maior. Voltei para a sala de aula chorando, com cara de velório. Sentada em frente à mesa da professora, ela falou que eu não me preocupasse, porém em sua primeira prova, voltei a tirar um I. Não sei como, ela me passou final do ano.

No segundo grau, fui para um colégio interno, num sistema de aluno-escola. Trabalhava de dia e estudava a noite. Meu objetivo era aprender piano, o que nunca consegui, pois justamente no período em que lá estive, faltou professor. Fiz o primeiro ano de contabilidade, onde aprendi amar a tão odiada história, pois o professor Hermedo contava a história do Brasil com entusiasmo.

No segundo ano, por pedido dos professores, passei a ser aluna interna após passar por um novo exame de seleção, fiz as adaptações necessárias e terminei o segundo grau com magistério.

Para entrar nesta escola evangélica, onde a maioria são filhos de agricultores de origem alemã , é necessário passar por um exame de seleção, onde é avaliado desde os conhecimentos, Q.I., aptidão profissional e inclusive os dons musicais. A escola possui coral e orquestra e teatro, só participei desse último.

O horário era: batia o sino às 6:30h, para despertar os alunos. Cinco para ás sete e 7:00h batia novamente para que todos estivessem na primeira aula ás 7:00h. Das 7:50 às 8:10 era a hora do café matinal. Ás 9:50h era o lanche e 11:30h terminavam as aulas matutinas. Às 12 horas era o almoço de meia hora, e em seguida mais meia hora para o descanso. Ás 13:00h entrávamos na sala de estudos e às 14:00h nas salas de aula até às 17:00h, com um lanche por volta das 15:00h.

O internato é misto. Os alunos do primeiro e segundo ano dormem nos quartos de oito pessoas, e os do terceiro ano ficam em quartos de um, dois ou três estudantes, no primeiro andar sobre as casas dos professores. As salas de estudo ficam abaixo dos quartos, mas os grupos que compões cada quarto são diferentes dos que estão nas salas de estudo. Os internatos feminino e masculino ficam separados por dois longos corredores (com várias salas de música individuais), o refeitório, o anfiteatro a secretaria, com as salas de aula no segundo e terceiro andar.

As salas de músicas são pequeníssimas, mas eu passava horas na salinha de piano tentando tocá-lo, ou ensaiava flauta doce, ou o meu violão. Já que as meninas do quarto não suportavam o meu canto desafinado perto delas. Como meu desejo era aprender piano, nunca me interessei por violino, o que hoje me arrependo de não ter tentado aprender este instrumento.

Não consegui participar do coral da escola, nem do grupo de dança, mas consegui fazer parte do grupo de teatro. Todos os anos os alunos criavam uma peça e a encenavam, para depois apresentá-la na ATESE (Amostra de Teatro das Escolas Evangélicas), onde eram discutidas e criticas após cada apresentação. As escolas com melhor performance eram a nossa, a Fundação Evangélica e a Faculdade de Teologia. Encontrávamos injusta a competição com a Fundação Evangélica, pois seus alunos eram orientados por professores profissionais da área. E a proposta do teatro é algo que deve ser criado pelos alunos. A minha primeira peça de teatro foi sobre a abertura política que o país estava vivendo naquele momento: “Enquanto a abertura não fechar”.

A escola possuía auto-disciplina. As regras iam se moldando conforme o comportamento e responsabilidade de seus alunos. Quando havia algum grupo que abusava da liberdade, a escola também passava a tolher nossa liberdade com regras mais severas. Assim que todos ficavam pendentes em corrigir os infratores.

Todos os bimestres, os líderes de sala participavam dos conselhos de classe para discutir os interesses dos alunos, onde as regras também eram discutidas. No segundo ano, tivemos um professor de português, Fausto Borges, muito arrogante, que não permaneceu na escola no ano seguinte por tantas reclamações dos alunos. A frase desse professor era: “Quando Fausto fala, o aluno se cala”, o que se desencontrava com a proposta da escola.

Nas aulas de música aprendi as notas musicais, noções de: cantar, reger, tocar flauta doce e a história musical. Valorizavam muito o folclore, até porque esse era um meio de preservar a cultura dos descendentes alemães.

A influência da cultura alemã e gaucha deixaram marcas profundas na minha forma de pensar e agir. Meus pais sempre gostaram muito de música. Cantávamos em família em volta do fogão a lenha, canções do folclore alemão (em português e alemão) e brasileiro, regional e nacional. Essa prática de procurar manter o folclore vivo, de levar a cultura para a geração seguinte, me fez criar raízes e uma identidade social, para muito além da minha geração. Acredito que esse é um valor importante a ser preservado em qualquer cultura, e isso me fez trabalhar com meus alunos, o resgate do seu meio cultural por meio da música, folclore e sua história.

As aulas de alemão estavam divididas em três turmas: A (os que não falavam a língua), B (os que falavam o dialeto) e C (os mais adiantados). Como eu falava o dialeto em casa, me colocaram no grupo B. Só que eu entrei neste grupo já no segundo ano, já que no primeiro fiz contabilidade e não tive aulas de alemão. Tive muitas dificuldades, principalmente referente o gênero, o que me fazia errar nas designações. O professor não teve a visão de me auxiliar na minha dificuldade, assim que me angustiei muito. No terceiro ano passei para o grupo A, e a professora percebeu onde estava a minha dificuldade.

Todo final de ano, principalmente a do terceiro ano, éramos avaliados com provas de alemão pelo Instituto Goethe . Minha nota no terceiro ano foi 6.

Durante o curso de magistério, entrei em conflito varias vezes ao relembrar partes dolorosas da minha infância quanto aluna. Inclusive, uma vez, ao receber uma prova, não consegui nem lê-la, devolvi-a, levantei-me e fui chorar no banheiro.

Aproveitando os exames de seleção, procurei o psicólogo para que me orientasse quanto a minha aptidão profissional. Apesar dele falar que meus dons eram propícios para a docência ou psicologia, eu não quis saber dessas profissões na época: o primeiro por ganhar muito pouco e o segundo porque eu queria ser uma pessoa normal. Então ele me indicou relações públicas, já que para o jornalismo eu acreditava que não era boa o suficiente para escrever. Foi assim que fiz Ralações Públicas no curso superior, apesar de jamais ter exercido a profissão.

Terminei o 2º grau em 1982, e em seguida, no primeiro semestre de 1983, fiz o concurso para professora pela prefeitura de Sapiranga e passei em 65º lugar, passei porque todas passaram, o último lugar era o meu.

No segundo semestre realizei meu estágio numa escola municipal de Sapiranga, perto da minha casa. Toda quinta-feira, faltava a aula para viajar ao colégio interno para a reunião de estágio com o orientador e demais colegas. Todos davam aula de manhã, eu era única que lecionava a tarde.

O fato de haver uma professora substitua na minha turma, causava um grande transtorno e muita revolta por parte dos meus alunos, pois a forma de conduzir a disciplina era muito distinta. Ela era autoritária e castigava, enquanto que eu costumava conversar e chegar a um acordo.

Ao escrever o memorial, as lembranças mais recorrentes são as que tocam nossos sentimentos. Como sempre fui distraída e com uma forma própria de ver o mundo, que nem sempre era compartilhada pelos demais, o que mais me marcou foi a afetividade dos professores, ou a falta dela. Tive professores que me fizeram sentir a última das criaturas, no entanto, houve outros que souberam valorizar pequenas coisas. E isto é algo que trago comigo ao atuar em sala de aula. A preocupação com o estímulo e a valorização do aluno, principalmente daquele que possui maior dificuldade.

Certa vez meus alunos foram ameaçados de agressão na hora da saída, pelos meninos maiores de outra turma. Lembrei-me do meu irmão sujo, com roupa rasgada e flagelado. Acompanhei meus alunos até a metade do caminho por dois dias, e os intimidadores desistiram de seu propósito.

Meu irmão foi um menino muito buliçoso, vivia arrumando ou caindo em confusões. No caminho para a escola havia um terreno com várias árvores frutíferas que não havia em nossa casa. Todos os dias nós passávamos por aquele local sem poder resistir as tão tentadora ameixas amarelas! É claro que o dono da propriedade quando percebeu que seu “pomar” estava sendo invadido, cercou o terreno com arame farpado. No dia seguinte, pela manhã, meu irmão saiu correndo na frente, para poder colher alguns frutos sem chegar atrasado na aula. Que infelicidade a dele! Não viu o arame farpado e cortou o rosto. A cicatriz desse incidente carrega até hoje. Mas ele também conseguia arranjar outras confusões, como a de armar brigas no final da aula. Sempre provocava os meninos mais fortes que ele. Para vencê-los, conclamava seus primos e alguns visinhos que eram grandes e fortes. Ganhavam todas as brigas. Os primos moravam em direção contrária a nossa casa, assim que quando os que haviam apanhado conseguiam encontrar meu irmão sozinho... a surra era certa. Eu assistia as brigas, consternada! Nunca gostei de violência. Sentia muita pena dele.

Procurei praticar com meus alunos todos os meus ideais e a tratá-los como eu gostaria de ser tratada. Como meu pai tinha um comércio de materiais de construção, tive facilidade em montar uma casinha de madeira e pintá-la com cores vibrantes, com porta e cadeado, onde guardávamos livros de histórias. A maioria era da biblioteca do SESI, os quais eu buscava por quinze dias e depois devolvia, outros, coletei e alguns, comprei. Também as levei algumas vezes até a biblioteca. A leitura para mim era muito importante, já que tive uma colega no curso de magistério que era muito sábia por ter lido muito. Também a professora Selediana, de português do 8º ano, nos incentivava muito à leitura, contando partes de bons livros, deixando-nos curiosos para lê-los. As nossas crenças, ideais, conceitos e pré-conceitos que desenvolvemos ao longo da vida tentamos repassá-los para nossos alunos. Sofri uma forte influencia sobre a leitura, mesmo sem ser uma grande leitora assídua, isso me fez repassar esse valor, incentivando-a.

Também levava o violão e a flauta doce para cantar algumas da músicas infantis. Alguns alunos evangélicos também sabiam tocar violão e eram incentivados a tocar o instrumento.

Aprendi a dar aula, dando aula. No primeiro dia, tão temido, vi que não era tão difícil como eu havia imaginado. Tive muito apoio da direção, da orientadora pedagógica e de alguns professores. Também me frustrei muitas vezes por tomar atitudes que feriam meus valores, em busca de soluções das dificuldades. E a minha maior dificuldade foi a disciplina, a qual fui em busca de orientação e conhecimento. O que me ajudou muito foi a minha visita na casa dos alunos mais “indisciplinados”, onde consegui o apoio dos pais que não vinham até a escola, além de aumentar o vinculo afetivo entre professor e aluno. Pensava que a maior dificuldade do professor deveria ser quando não se consegue levar o aluno ao seu aprendizado e não administrar o seu comportamento. E vejo que hoje, existem muitos mais elementos que “atrapalham” esse trabalho, como os novos instrumentos tecnológicos dispostos no mercado. Ademais, segundo Cação, 2000, “na maioria das vezes, a expectativa institucional, em relação ao exercício da docência pelas jovens professoras, centra-se no exercício do disciplinamento”. Para enfrentar uma sala de aula hoje, é preciso que o professor tenha uma boa base e auto-estima elevada, vai para que vá em busca de soluções, seja persistente, e encare as dificuldades como um desafio.

Quando eu tinha sete anos, minha mãe que não podia mais ter filhos, adotou uma linda menina de três meses, que foi um verdadeiro presente em minha vida. Transformou minha agressividade em ternura. Aos treze anos ela começou a ter desmaios, e o médico constatou disritmia. A partir de então passou a tomar Cardenal, até os vinte e três anos. Também tive uma aluna com o mesmo problema. Ela aprendia com facilidade, no entanto, no outro dia, já havia esquecido quase tudo. Todos os dias fazia uma rápida retomada da matéria, para que ela pudesse acompanhar a turma. Ao perceber sua fraqueza de memória, pedi para que sua mãe retomasse o conteúdo na parte da manhã nos dias de prova. Suas notas melhoram consideravelmente.

No ano seguinte, 1984, seu João, o diretor da escola São Carlos, onde estagiei, foi transferido para uma escola nova de uma favela, São Francisco, e solicitou à prefeitura que eu ocupasse o cargo de secretaria, e foi atendido prontamente. Assim que passei à frente de vários concorrentes, saltando do 65º ao mais ou menos, 30º lugar.

Paralelamente ao trabalho de secretaria, eu trabalhei um ano numa maternal de 12 crianças de classe média. Onde aprendi a tratar as crianças de forma positiva, incentivando-os sempre pelo seu lado bom.

Em final de maio, desse mesmo ano, seu João que era cedido pelo Estado meio turno, foi convidado a ser vice diretor de uma escola estadual, indicando-me para o seu cargo vago. Assim fui diretora por dois anos desta escola.

No inicio de 1986, fui destituída do cargo e resolvi me dedicar ao curso de relações públicas.

Nunca exerci essa profissão. Depois de 20 anos longe dos livros e cadernos, e dedicação aos filhos, agora já crescidos, tentei retomar minha vida profissional. Como havia passado muito tempo, me sentia incapaz de exercer a profissão de Relações Públicas na qual me graduei, e tampouco poderia voltar ao magistério com formação secundária, que hoje exige a graduação de nível superior. Senti um profundo vazio e uma enorme necessidade de realizar meus sonhos de duas décadas atrás, e acabei desenvolvendo o transtorno de ansiedade, o qual me imobilizou psicologicamente, mas por outro lado, abriu portas para eu ver novos horizontes. Entre esses, tive a oportunidade de participar do projeto de pesquisa do grupo GERES, na UEMS. Que me fez perceber do quanto eu ainda estava ligada ao magistério, e assim que abriu a inscrição para o vestibular de pedagogia, ousei inscrever-me, e não é que passei?

Ao escrever este memorial, pude tomar consciência de uma serie de fatos que antes eu via somente com o sentimento que o ato do momento me proporcionou. Hoje, olho para a foto da turma de 1973 e não me vejo mais como uma criança xucra, com falta de inteligência, e sim, percebo que ali está uma criança meiga, esperta e capaz. Tampouco vejo a professora como uma pessoa sem sentimentos, e sim uma educadora preocupada por seus alunos de forma protetora.

No transcorrer da narrativa pude avaliar o outro lado, como eu agiria ou atuaria se tivesse no lugar da professora ou de alguns colegas, e vi que a imagem que formei de mim mesma foi muito cruel, pois estava baseada em minha baixa auto-estima. Vejo que hoje venci muitos dos meus medos e complexos, o que provavelmente refletirá nas minhas aulas.

De certa forma, o que me levou a fazer o magistério e hoje a pedagogia foi o acaso. Porém existe algo que me fascina nesta profissão. É um desafio. É muito gratificante poder transmitir o que se sabe e ver o outro aprender e crescer, não só na instrução, mas na vida também. Essa profissão só tem um porém: a remuneração financeira que é muito baixa, o me fez desistir dela no passado. Porém o que incentiva a gente a seguir em frente é a gratificação de ver o crescimento e o aprendizado do outro.
Percebi a importância do conhecimento sobre si mesmo no processo de formação, para poder, a partir daí, entender a transformação da escola e da sociedade ao longo da minha vida .Pois o que foi no meu tempo de escola, bom ou ruim, não pertence a era de hoje, com outros alunos em outro meio, mas serve de bagagem para buscar formas mais efetivas para transmitir o conhecimento neste outro momento.
Ao longo do nosso desenvolvimento, vamos aprendendo conceitos e ideologias, principalmente na infância, nas quais crescemos acreditando fielmente que são verdadeiras e corretas. Acabamos construindo nossas vidas em cima delas. Quando estudamos, temos a oportunidade de aprender outros valores e ideais e saber de onde e como os nossos foram constituídos. Dessa forma pudemos olhar para nossa formação e perceber que muitos desses conceitos e ideologias aprendidos no passado, hoje não servem mais. O pior, é que acreditamos nelas e queremos repassá-las a nossos filhos e alunos, os quais vivem em outro momento da história, com outros valores e necessidades. Por isso, para mim, foi muito importante rever minha história de vida e analisá-la dentro do contexto social e ideológico que se vivia, para poder repensar meus valores e ideais, e ser uma docente mais consciente na formação de meus alunos.



REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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FONTANA, Roseli Cação. Trabalho e subjetividade. Nos rituais da iniciação, a constituição do ser professora. Cadernos CEDES. Vol.20 no.50 Campinas Apr. 2000.
NÓVOA, António. Professores Imagens do futuro presente. Ed. Educa. Lisboa, 2009.
PLACCO, Vera Maria N. S.; SOUZA, Vera Lucia T. Aprendizagem do adulto professor. Ed. Loyola. São Paulo. 2006.
SAVIANI, Dermeval. A Pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas, Autores Associados, 2008.
_________________. História da idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, Autores Associados, 2008.
SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. 2ª edição, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1973.



Um comentário:

  1. Oi Celi, muito bacana seu memorial! Parabéns!
    Menina, você foi uma criança travessa, hein? Mas, com um coração do tamanho do mundo, né?
    Se serve de consolo, também nunca trabalharam caligrafia comigo. Minha letra é horrível! (risos) Mas isso nunca foi um problema para mim. Nunca me importei por não ter uma letra bonita.
    Muito legal você compartilhar um pouco das suas experiências, da sua história, na verdade!
    Siga sempre em frente, pois você tem uma lindo caminho para continuar trilhando!
    Um cheiro!
    Mel

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